Exemplo
Um novo olhar sobre o público
Moradores da Argolo iniciam campanha de revitalização do canalete que ornamenta a rua
Gabriel Huth -
Maria Rosania Almeida decidiu tomar uma atitude. Há oito anos trabalhando em um escritório na rua General Argolo, entre as ruas Gonçalves Chaves e Félix da Cunha, a contadora não podia mais olhar para a falta da cuidados com o canelete que faz a drenagem da rua. Assim, resolveu iniciar uma campanha de revitalização. Podou as plantas que tomavam conta das floreiras, plantou novas mudas e agora mobiliza moradores para somar à causa.
A iniciativa tem tido sucesso. Rosania, de 52 anos, comenta que já recebeu algumas caixas de mudas de colaboradores, plantadas religiosamente aos sábados de manhã. Ela conta com a ajuda de um jardineiro que limpa as floreiras, hoje grande parte tomada por coroas-de-cristo, arbusto espinhoso que pode até oferecer perigo para quem transita ali.
O trabalho vai ser árduo - o canelete é uma construção extensa, vai da rua Andrade Neves até a avenida Ferreira Viana - mas, com o auxílio de vizinhos, pretende terminar a revitalização de toda obra até o final do ano. Plantando tagetes e clorofitos, comprados com dinheiro próprio, o objetivo é valorizar um patrimônio da cidade que, para a moradora, está abandonado. "Eu não podia mais esperar que nossos governantes tomassem uma atitude. O que faço é ir de porta em porta, incentivando as pessoas a adotar as floreiras", diz.
Uma das vizinhas de Rosania é testemunha e voluntária da iniciativa. Lorena Pereira mora em frente ao canelete e garante: "O pessoal está aderindo e apoiando. Já está bem melhor do que antes". Prova disso é que, até agora, nenhuma flor foi roubada. É assim, com um "trabalho de formiguinha", contagiando morador por morador, que pretende transformar a relação da população com o espaço público.
E a contadora não está sozinha. A atitude é uma entre diversos exemplos de pelotenses que buscam olhar com carinho para o espaço público. Apesar de ser através de atos simples como o plantio de uma semente, a tendência parece crescer e se espalhar no município. Moradores do entorno do Largo Vernetti, Centro, também estão engajados pela criação de novos espaços verdes. A ideia, que partiu da arquiteta e educadora ambiental Suzanne Jacobs em conjunto com o Centro de Vida Saudável, é reformar toda a extensão do largo, com novas árvores, bancos, academia ao ar livre e bicicletário. Outro exemplo é a praça João Rosso, na Vila da Balsa, Zona Leste de Pelotas. Em 2015 o local recebeu brinquedos, pintura e jardinagem através das mãos da comunidade e de um incentivo da agência de comunicação Incomum.
A síndica do bairro
Promover o zelo da comunidade para com os locais que ocupa, tornar o visual da cidade mais agradável e criar pontos de lazer foi, por muitos anos, o prazer de Rosimery Vargas, 54 anos. Funcionária do Museu Municipal Parque da Baronesa, Rosi era uma espécie de "síndica" da rua Joaquim Alves da Fonseca, no Obelisco. Ela começou incentivando os vizinhos a manter a região limpa e organizada, reivindicando a atenção da prefeitura e até mesmo fiscalizando o andamento de obras na região.
Até mesmo uma praça foi feita em uma área livre da rua, composta de bancos e plantas, idealizada em conjunto com vários moradores. Mas o local foi depredado. "Por três vezes a praça amanheceu com tudo quebrado. Então, pintei uma placa expondo à população os motivos do fim daquele espaço. O sentimento era de total decepção com o fato de querer fazer pelo outro e o outro descartar totalmente esta dedicação", lamenta. Desde 2014 a professora não promove novas atividades, também por falta de tempo. No entanto, Rosi não pretende desistir por completo. "Os vizinhos apoiaram e muito, e, com certeza, adorariam esta frente retomada novamente."
Requalificação urbana participativa
As boas ações, ao mesmo tempo que inspiram, remetem à ausência do Poder Público em relação ao espaço urbano. Professora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Nirce Saffer Medvedovski defende que exista uma união entre a vontade das pessoas e a instrução de um profissional. "É conhecido na cidade o fato de que boa parte das árvores da Dom Joaquim foi plantada por um morador do entorno. O Jardim de Suzu, na avenida República do Líbano, também recebe manutenção de vizinhos. É fantástico que a população se envolva, mas é ideal conciliar com a assistência de um profissional da área", diz. Ela também ressalta que é importantíssima a participação popular para a manutenção ou criação de lugares públicos.
Como ajudar
Maria Rosania aceita a doação de mudas de flores diretamente na rua Argolo, 567, entre Gonçalves Chaves e Félix da Cunha. Contato através do telefone (53) 3225-4362.
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário